sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

THERMAS: ESTADO TERMINAL





“Poços de Caldas, 11 de maio de 1939
Cara Alda,
Vimos o médico hontem e começamos hoje o tratamento. Saudades a todos e abraços.
Maricota”

O texto acima é parte do conteúdo de um antigo cartão postal circulado em 1939 (70 anos!), cuja foto é da então novíssima Thermas Antonio Carlos, que “Dona Maricota” procurou para tratamento. Reproduzi para destacar a importância terapêutica da Thermas desde sua origem.

Tombada pelo Patrimônio Histórico há anos, é alvo constante de muitos elogios: “sensacional, fabulosa, espetacular”. Impossível não ficar boquiaberto diante da grandiosidade da Thermas Antonio Carlos. Inaugurada no longínquo ano de 1931, seu quase ocatagenário prédio aparenta boas condições, mas por dentro tem aspecto terrível, para economizar adjetivos.

Não falo das áreas “em uso”, caso do hall de entrada ou banheiros. A Thermas Antonio Carlos esconde um verdadeiro pesadelo para quem, como eu, tem uma “índole preservacionista”, se é que existe esta expressão.

Tive a oportunidade de visitar -com autorização- as áreas que não foram “recuperadas” na tentativa frustrada de restauração de anos atrás, que teria custado mais de R$ 3 milhões (de R$ 5,5 milhões previstos) aos rotos bolsos dos contribuintes.

Durante a visita, a perfeita tradução do desmazelo veio de um breve diálogo com uma pessoa que ali trabalha. Ao perguntar se poderia fazer uma foto de determinado recinto, a pessoa disse: “pode sim, não é meu mesmo...”. Retruquei: “é sim, é seu, é meu, é de todos os brasileiros”. Diálogo encerrado, restou a incerteza do meu poder de persuasão.

A visita começou pela parte inferior do prédio, os porões, pois foi justamente desta área, visível da rua pelas grades junto às calçadas que circundam a construção que percebi a existência de um carrinho de configuração ferroviária (foto 1), provavelmente usado na obra da construção para deslocar materiais.

Nesse porão é possível perceber a “atualização” feita nas tubulações (fotos 2 e 3), que no passado certamente foram de cobre e hoje dão lugar canos de PVC (ainda há alguns canos de cobre, é bem verdade). Um ou outro vazamento, nada muito sério. Chamou minha atenção também a existência de uma carroça bastante antiga, sem uma roda (como será que se perdeu?), escorada por um igualmente antigo banco de madeira (foto 2). No mais, muita sujeira, restos de materiais e, de presente, uma forte dor nas pernas. Culpa da minha curiosidade, pois o espaço é muto baixo para “circular”.

Ao centro da estrutura triangular da Thermas, o que poderia ser (e deve ter sido) um jardim interno virou um enorme “cinzeiro”, com pelo menos uma centena de “bitucas” de cigarro depositadas (foto 4). Pelo jeito não há cinzeiros no prédio, mas ainda que existissem aquele não é o lugar adequado para a nefasta “arte” do tabagismo. Fico pensando no tipo de pessoa que faz isso: arremessaram os "tocos" lá do alto ou fumaram ali mesmo?

Deste ponto -o centro de toda a estrutura- olhando para cima, tenho a nítida sensação de estar não em um histórico balneário, mas no pátio de um antigo presídio abandonado: paredes sem pintura, uma velha chaminé, um corredor inteiro do edifício servindo de varal. Varal? Como assim? Pois é, parte do material locado aos banhistas seca ao sabor da natureza, em precários varais. São toalhas (foto 5).

Ao lado do “jardim”, jazem os restos de duas caldeiras (fotos 6 e 7), completamente inutilizadas, no espaço que serve de precária “oficina de restauração” de peças que um dia compuseram o mobiliário da Thermas, como espelhos, cadeiras e outros adereços (foto 8). Lembro do grande alarde dado ao fato de que seria uma espécie de “escola” para jovens carentes, mas pelo jeito parou no tempo.

Subo as escadas e chego ao que outrora foi o espaço de banhos reservado os menos favorecidos economicamente, a denominada “classe B”. Inacreditável estado de abandono, com banheiras antigas (inglesas?) amontoadas (foto 9), fora o mobiliário “encostado” (foto 10). No local das banheiras restaram fragmentos do piso hidráulico e os buracos dos ralos, que permitem enxergar o porão onde estive antes. Uma caminhada por ali e encontro vários espaços (box de banhos) trancados (foto 11), até chegar a uma sala onde está perdido um belíssimo jogo de sofás que um dia foram de couro, cujo estilo e idade não sei precisar (foto 12). Sei que é um conjunto à espera da chance de virar lixo também.

Continuando a peregrinação escadas acima, chego a um sensacional salão de exercícios com cerca de 30 aparelhos de ginástica produzidos na década de 1920, todos ainda em funcionamento, incluindo alguns hidráulicos ou elétricos. Para mim, o que há de melhor em todo o conjunto (fotos 15 e 16).

Essa e outras áreas como banhos, inalação (fotos 13 e 14), massagens etc. são acessíveis ao público, e cada um pode tirar sua conclusão sobre as condições. Não entrei nestes locais, pois o objetivo era outro.

Segundo consta, entre seis mil e oito mil pessoas passam pela Thermas todo mês, mas parece que no passado chegou aos 24 mil atendimentos mensais. Pelo visto a receita gerada é insuficiente.

PRIVATIZAR?

Penso se não é hora de privatizar a Thermas. Antes de ser apredejado em plena Praça Pedro Sanches, gostaria de explicar: governos devem investir sua força em áreas sociais –saúde, educação, trabalho, habitação e segurança, por exemplo- deixando a atividade não social para a iniciativa privada. Temos um excelente exemplo bem ao lado da Thermas, o Palace Hotel, hoje sob gestão profissional. Se não é o melhor do mundo, um passeio pelo jardim interno ou a piscina não deixam dúvidas de que a administração entende que se falhar perde o cliente.

Já na Thermas prevalece o “sentimento do precário”. Nas mãos de profissionais certamente o prédio teria no mínimo uma equipe dedicada à conservação e manutenção, cuidando por exemplo daquele “descascadinho” que aparece de vez em quando na pintura ou mesmo mantendo limpos os porões, para começar.

Uma referência triste da limitação oficial para manter um espaço de ouro como a Thermas é o vitral que há no hall de entrada: uma crosta de sujeira impede apreciar totalmente aquele trabalho, de autoria de Conrado Sorgenicht Filho, que entre outros magníficos vitrais fez os do Mercado Municipal de São Paulo e Catedral da Sé.
 
A também mineira Araxá e seu balneário privatizado dão um banho em termos de termas. Desculpem o trocadilho.
  
 Clique nas imagens para ampliá-las.

2 comentários:

  1. So falta colocar uns Blindex nas janelas e transformar em outlet... Uma pena o descaso com um predio historico. Pq nao privatizar, doar para os americanos ou transformar em museu? Antes que desabe ou os ratos acabem com tudo.
    RC

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  2. Post ''antigo'',assunto,ainda e infelizmente,atualíssimo!

    Em 2004,tive a oportunidade de visitar as igualmente obscuras galerias esquecidas no palace Cassino...nojento e deprimente o estado de abandono.

    Não sei que tipo de trabalho esta sendo feito lá (tomara que criterioso)mas espero que o mesmo destino seja dado às termas,antes que seja tarde...

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