quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O PAPEL DA IMPRENSA

Passou despercebida para boa parte da população de Poços de Caldas a data de 15 de agosto de 2009. Trata-se dos 120 anos de fundação do primeiro jornal da cidade, o "Correio de Poços". Nem mesmo o recém-lançado Jornal da ASI (a cinquentenária Associação Sulmineira de Imprensa) atentou para o fato. Uma pena.
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Mais importante do que cortar o bolo e apagar velinhas, o momento é de discussão do papel da imprensa na cidade. Orgulho-me de praticar uma das veias mais difíceis do jornalismo, que é o "opinativo", amparado pelo sagrado direito constitucional da liberdade de expressão, evidente que com a seriedade que o assunto exige e, principalmente, responsabilidade. Essa liberdade de expressão é um dos alicerces da democracia, uma vez que contribui definitivamente para a formação de opinião dos temas de interesse da sociedade e, por consequência, a inclusão do ser humano no que chamamos "cidadania".
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Esse comportamento, essa influência que a imprensa exerce sobre um grupo social, transforma a mídia em vítima imediata e inicial de qualquer regime totalitário. Felizmente estamos longe disso e, não fosse a imprensa, muitas das barbaridades hoje conhecidas sequer teriam saído dos porões da direita e da esquerda, para lembrar o passado recente dos chamados "anos de chumbo".
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Jornalistas com ou sem diploma não são paraquedistas, que aparecem de repente. Os consagrados, os que têm espaço garantido em qualquer meio de comunicação, mesmo os que estão começando na carreira mas já demonstram a que vieram, todos trazem em comum a paixão pelo ofício. Ninguém é jornalista por falta de opção. O mercado percebe, o dono do jornal percebe e -principalmente- o leitor percebe. Se for bom, coerente em seus posicionamentos, duro porém justo, será reconhecido e terá o respeito até de alguns que critica. Como são os muitos profissionais de imprensa de Poços de Caldas.
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O exposto acima serve de linha de pensamento para expressar um curioso -porém conhecidíssimo e previsível- comportamento que desde sempre afeta a classe política brasileira, claro que Poços de Caldas incluída: diante da crítica por um erro, deslize, falha ou descuido, imediatamente as vozes se levantam contra a imprensa, essa "vilã", sempre a colocar o dedo nas feridas mais doloridas.
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É emblemático o caso recente da nossa Câmara Municipal em relação ao "Hospital do Câncer", em que oito dos doze vereadores redigiram e assinaram (depois quatro retiraram seus autógrafos) um ofício ao Secretário Estadual de Saúde questionando uma decisão daquela Pasta e, pior, solicitando "uma aplicação mais racional desse importante recurso", os R$ 10 milhões para a implantação do projeto.
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"Muito ajuda quem não atrapalha" teria sido um bom título para uma reportagem de primeira página sobre o assunto. Como esperado, nossos edis não digeriram com galhardia a crítica da imprensa, tratando o assunto como "especulação de toda a mídia local" e tecendo comentários como "espero que não digam que somos contra isso também" em plena sessão da Câmara, conforme foi possível testemunhar ontem (18/8), ao vivo no plenário ou pela transmissão na internet.
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Uma "representante do povo" chegou a dizer que a Câmara é um Poder e pediu "providências" ao presidente da Casa, após dizer que por pouco não foi "execrada". Estou curiosíssimo para saber quais serão essas providências. Não por coincidência, a mesma vereadora ocupa espaço de destaque esta semana na mídia como autora de importante lei, já sancionada, que concede benefício aos pacientes usuários de oxigenoterapia em casa, que não pagarão o custo adicional de energia elétrica pelo uso do equipamento. Aplausos!
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Feliz da cidade que não tem um imprensa de "carneirinhos", e que pode cumprir uma de suas primordiais missões, a fiscalização dos atos públicos. E, se ainda há políticos não preparados ao convívio com a imprensa e, principalmente, com a crítica, que desistam da arte ou se adaptem à convivência democrática. Só em Poços de Caldas são 120 anos de atividades jornalísticas. Mandatos, esses duram apenas quatro anos.
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Para finalizar, trecho de um discurso de Roberto Civita, presidente da Abril, em 2005: "Num mundo cada vez mais interligado e complexo, com cada vez mais informação disponível em todas as frentes 24 horas por dia, nossa tarefa passa a ser -cada vez mais- separar o relevante do não relevante, de selecionar o que mais interessa e mais importa do resto, e -principalmente- de tentar organizar e explicar o que isso tudo significa para um público com cada vez mais alternativas de diversão, cada vez mais interesses e... cada vez menos tempo".
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2 comentários:

  1. Também me preocupa as providências que o presidente da Câmara pode tomar diante da vereadora que "execrada" por culpa da imprensa, afinal, ninguém tem nada a ver com o fato dela rejeitar um Hospital do Câncer na cidade, não é mesmo?
    Ridículo ! Ainda bem que existe o jornalismo !

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  2. Toda razão, caro Caruso. Com ou sem diploma, não somos paraquedistas. Como García Márquez, também professo e defendo a melhor profissão do mundo. Diz o mestre: "Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte". Querida Jéssica, ainda bem que há o jornalismo!

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