sábado, 14 de fevereiro de 2009

TROTE UNIVERSITARIO

O trote é uma destas "tradições" cuja origem vem provavelmente da idade média, fruto de um tipo nefasto de discriminação aplicada aos novatos, que não podiam frequentar as mesmas salas dos veteranos. Tinham as roupas retiradas e queimadas, e seus cabelos, raspados, fatos justificados sobretudo pela necessidade de aplicação de medidas como evitar a propagação de doenças.
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Pois bem. O homem evoluiu, ganhou motores, asas, foi à Lua e voltou, chegou talvez à mais fantástica de todas as eras -a da comunicação- com a possibilidade de ouvir e falar para o mundo instantaneamente, como eu e você leitor fazemos neste exato instante.
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Mas algumas cabeças insistem em permanecer na idade média, travestidos de "carrascos moderninhos", senhores feudais dos calouros recém-chegados à universidade. Não vejo outra explicação para aquelas hordas que invariavelmente invadem, a cada início de semestre, as esquinas das ruas Assis e Prefeito Chagas, comandando pequeno exército de desgostosos "caras-pintadas", com o único objetivo de humilhar e juntar trocados para a próxima rodada de cerveja, em nome de uma eufemística "integração". Não estou inventando: semana passada, no orelhão perto do Unibanco, vi uma garota em prantos ligando para o pai, pedindo que levasse dinheiro para completar os R$ 30 que faltavam para cumprir o que o veterano determinou. Inauguramos a era da "cota-trote". Inacreditável.
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Acho que faço parte da última geração de jovens que passou pela "ditadura" -eu tinha 18 anos em 1979, final do regime mlilitar- com a cabeça cheia de ideais, que iam muito além (numa visão atualizada) da próxima "rave" ou da Saveiro tunada . Pensávamos num país livre, com direito à expressão, boa música, teatro, cultura em seu sentido mais amplo. Pouco antes de completar os 19 anos fui convocado pelo Exército, logo eu, com a "cabeça no social". E fui para Brasilia, justamente de onde emanava tudo aquilo em que não acreditava, na época do presidente Figueiredo. Cumpri minha obrigação, voltei e fui estudar Direito na PUC de São Paulo, eterno ponto de partida das idéias mais revolucionárias do país. Não me arrependo nem de um, nem de outro: o paradoxo entre a universidade à esquerda e a vida militar à direita foi fundamental na minha formação. Há pontos fortes em ambos.
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Quando cheguei à universidade entendi aquilo como apenas a manutenção de uma atividade -continuar estudando. Ninguém veio falar de cortar meu cabelo. Ninguém perguntou se eu queria pintar minha cara. Nem me obrigar a esmolar. Nem beber. Nada. Por isso fico decepcionado quando vejo estes garotos "sujos" pedindo dinheiro. Rebaixam-se a uma condição ridícula, que beira a tortura, em nome de uma falsa integração que no cotidiano da escola nunca vai exisitir. Veteranos vão se formar, calouros virão, os primeiros "aplicarão" trotes nos segundos, e fim.
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Evidente que quem chega não quer bater de frente com quem já está lá, e acaba "aceitando" o trote. Como evitar este constrangimento? Fácil. Dentro do espaço da escola simplesmente não permitir. Universidade é local de sabedoria, não de selvageria. Na rua? Mais fácil ainda. Do mesmo jeito que fazemos campanhas para combater a esmola, basta às autoridades impedirem, convidando os universitários a se retirarem dali. A rua é pública? É. Mas para quem tem o que fazer, não para quem, em nome de um suposto "rito de passagem", imagina-se capaz de violar a sagrada obrigação de respeito ao próximo, colocando no outro as mãos cheias de tintas ou armadas de tesouras. Mesmo que seja "somente um "bixo"...
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Sou totalmente favorável aos chamados trotes solidários ou culturais. Que tal instituir aos calouros o fornecimento -para quem quiser e puder- de alimentos ou cestas básicas? Ou arrecadar livros para as bibliotecas municipais? Idéias há centenas. Professores, diretores e reitores devem fazer o trabalho de conscientização. Afinal, são os "seus" alunos.
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Confira no vídeo abaixo os "sensacionais" momentos de um trote em Poços. O "Glauber do celular" tem seu momento máximo quando diz "daqui a pouco acaba, aí começa a pegar dinheiro" a uma caloura claramente constangida. Estamos bem arranjados...
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Um comentário:

  1. Concordo plenamente com a crítica ao trote, tal como vem sendo aplicado. É uma demonstração de selvageria, justamente por aqueles que tem o privilégio de frequentar nossas universidades, e que teóricamente atingiram um grau de instrução que deveria distingui-los do restante da população, que não tem o mesmo privilégio.
    Pessoalmente, posso testemunhar que também eu, quando iniciei meu curso de engenharia na UFRJ, nos idos de 1966, não sofri qualquer tipo de constrangimento. Daí a indignação com o que vem acontecendo em grande número das nossas universidades, fato comprovado para vergonha de todos nos últimos noticiários. Já era tempo dos diretores tomarem uma atitude para acabar com essa aberração.

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