Lanço mão da antológica obra de João Cabral de Melo Neto para elaborar um modesto pensamento sobre campanhas de educação de trânsito, tal como Severino, que parte do sertão em busca de uma vida mais digna e que encontra pelo caminho dois homens a carregar um defunfo:
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E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
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Até que não foi morrida,
irmão das almas,
esta foi morte matada,
numa emboscada.
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Uma campanha de trânsito, se quer efetivamente sensibilizar alguém, tem que escancarar que um carro, uma moto, um ônibus, são sim armas letais nas mãos de quem não está preparado ou não tem consciência das leis da física e da fragilidade do corpo humano-mostrar que a emboscada está na próxima esquina, no cruzamento seguinte, no semáfro adiante.
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Lembro claramente quando criança de ter visto em algumas rodovias carros destroçados em acidentes gravíssimos, expostos sobre estruturas, deixando bem claro o que acontece com quem não respeita os limites do veículo, da pista ou, principalmente, os próprios limites.
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Há que ser agressiva a abordagem do assunto. Estamos falando de vidas -do fim antecipado ou inesperado delas. Do pai chorando sobre o cadáver do filho, arremessado para fora do carro por estar sem cinto de segurança. Do filho debruçado sobre o caixão do pai, atropelado por uma moto. Da família dizimada só porque estava esperando a condução num ponto de ônibus qualquer. Da jovem que perdeu a vida com a moto sob as rodas do caminhão.
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Campanhas engraçadinhas, com palhacinhos ou mocinhas panfletando até pegam bem, justificam o investimento e podem livrar a consciência daqueles que as colocam na praça. Mas não mudam o mundo. Nem as frases de efeito elaboradas por crianças em gincanas escolares -beiram a falsidade, de tão ingênuas. Quando chegarem aos 18 anos, os jovens autores enfrentarão a dura realidade das ruas, com a eterna guerra dos farois altos nas rodovias, a pressa boçal de uma ultrapassagem arriscada para chegar 15 segundos antes ao botequim, onde horas são perdidas em torno de uma garrafa de bebida. Até mesmo a maldade da disputa “no braço”, um racha sem sentido entre dois carros 1000, na inútil comprovação de que “eu e minha caranga somos os bons da boca”.
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Para isso devem servir as campanhas de trânsito: mostrar o que acontece com quem não segue a regra -cadeia, hospital ou cemitério. Mostrar a devastação que as sequelas permanentes deixam, o rosto enrugado da mãe, arrependida pelo carro novo dado ao filho que passou no vestibular mas não chegou ao fim do primeiro ano. Estou sendo duro? É assim que funciona. Na marra. Passando a mão na cabeça? Esqueça...
Para isso devem servir as campanhas de trânsito: mostrar o que acontece com quem não segue a regra -cadeia, hospital ou cemitério. Mostrar a devastação que as sequelas permanentes deixam, o rosto enrugado da mãe, arrependida pelo carro novo dado ao filho que passou no vestibular mas não chegou ao fim do primeiro ano. Estou sendo duro? É assim que funciona. Na marra. Passando a mão na cabeça? Esqueça...
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Exemplo pessoal: há alguns anos, minha filha já em idade de usar cinto de segurança. Era difícil convencê-la toda vez que entrava no carro –banco de trás, claro. “Use psicologia, converse”, me falaram. Um dia parei no semáforo de todo dia na Vila Mascote, bairro onde morei, em São Paulo. Como quase todo dia, paguei o café da manhã para o Rodrigo, moleque magrelo, roto e estropiado, desses que mostram sem frescuras a crueldade da vida. Rodrigo não tem um olho. Foi o motivo para minha filha perguntar o que teria acontecido a ele. "Andou de carro sem cinto", saquei na hora. Nunca –repito- nunca mais minha filha sentou num carro sem que a primeira atitude fosse colocar o cinto de segurança. E não me venham mais com aulas de psicologia. Hoje ela é uma moça antenada, espertíssima e tenho certeza que não ficou qualquer trauma daquele diálogo. E, se ficasse, certamente seria bem menor do que ela mesma ter se ferido em um acidente de carro.
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Campanhas de trânsito duras, chocantes, comoventes. Já!
Campanhas de trânsito duras, chocantes, comoventes. Já!
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Encerro como encerra João Cabral:
Encerro como encerra João Cabral:
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E não há melhor resposta
que o espetáculo da vida:
vê-la desfiar seu fio,
que também se chama vida,
ver a fábrica que ela mesma,
teimosamente, se fabrica,
vê-la brotar como há pouco
em nova vida explodida
mesmo quando é assim pequena
a explosão, como a ocorrida
como a de há pouco, franzina
mesmo quando é a explosão
de uma vida severina.
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Notas: a foto acima é uma produção, não um acidente verdadeiro. Está aí para demonstrar minha teoria. Se fosse a foto de um "cara-pintada" ao lado de uma autoridade não teria o mesmo impacto. Aposto. Já "Semaforina" é uma "fada", criada para a semana de trânsito em Poços. Também é o nome de uma proteína presente no corpo humano.
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Olá Caruso, você que gosta dos temas polêmicos e tem o jornalismo na veia, dá uma conferida no post de hoje do meu blog: http://jessicabalbino.blogspot.com/
ResponderExcluire me envie seus comentários, ok?
abraço !
Olá, me admira muito tamanha ignorancia presente em seu blog em relação a projetos educacionais. Precinto que o seu blog não obteve repercussao, já que agora, em 2011 não há mais posts. Fui à uma apresentação da Semaforina a essa semana, então fui pesquisar para entender melhor o projeto e encontrei isto aqui. Bom, não entendi a relação coexistente do titulo com a materia, portanto acho que TODO tipo de concientização é valido, uma vez que tenha pessoas dispostas a melhorar. Não sei se obtivirei resposta sua, uma vez que este blog esta "abandonado", mas está ai um tema polemico para um futuro post aqui: "Será que apenas apelação em temas da sociedade funciona com todos os tipos de público?
ResponderExcluirPois é, está publicado o seu comentário e certamente você vai ler a resposta. Se quiser aprofundar o debate, basta enviar uma email para mim. Sem anonimato.
ResponderExcluirDois pontos: o blog não ter repercussão é seu ponto de vista, errado mas respeito. Se você é de Poços de Caldas precisa se informar melhor; a Semaforina, fofinha, saltitante, melhorou alguma coisa no trânsito da cidade? Ou será que um ano e meio depois de publicada essa postagem não vimos mais mortes no trânsito de Poços?
Caruso