Caro Oscar,
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Antes de mais nada, desculpe a intimidade. Sabe como é, todo mundo gosta de se fazer de amigo de gente importante, chamando pelo primeiro nome quem é conhecido pelo sobrenome. Apesar disso, vou tratá-lo de "senhor". Foi assim que aprendi com meus pais, um sinal de absoluto respeito.
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Abri meu jornal Estadão -um desses jornais "mais ou menos lidos", diria um bem humorado personagem político da minha cidade- do domingo, 22 de novembro, bastante ansioso para ler uma entrevista que você concedeu. Tudo bem que foi entrevista por email, vá lá, talvez a primeira após sua inesperada baixa ao hospital. ''Vou recuperar tempo perdido'', diz Niemeyer, é o título da reportagem. Nela, a repórter Márcia Vieira, daí mesmo onde o senhor mora, Rio de Janeiro, conta que, perto de fazer impressionantes 102 anos, o senhor "está cheio de projetos em sua volta à rotina".
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Confesso que fiquei emocionado ao ler que em um século, nunca havia lhe acontecido de passar tanto tempo internado num hospital, de onde saiu sem a vesícula e, melhor ainda, sem um tumor no intestino. Menos de uma semana depois, diz a reportagem, o senhor já estava de volta ao seu escritório na praia de Copacabana. "Logo, logo vou recuperar algum tempo perdido", disse o senhor.
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Soube também que esta semana o senhor vai lançar mais uma edição da Revista Nosso Caminho, dedicada à arquitetura e cultura, no Memorial Roberto Silveira, ali no Caminho Niemeyer, justamente em Niterói, cidade que tem a honra de ter não uma, mas diversas obras que sairam de seu cérebro privilegiado. Aliás, é também um privilégio ser alvo de tantas homenagens em vida, além de dividir-se entre o desenvolvimento das obras no Caminho e a recepção a universitários, em encontros destinados a explicar aos jovens "as razões da minha arquitetura", conforme relata a reportagem.
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Comoveu-me saber que o senhor teve ao seu lado, durante o tempo perdido no hospital, a presença forte de sua mulher, "amiga e solidária". Uma belíssima declaração de amor, como também é bela a declaração de amor que o senhor faz à vida, especialmente ao futuro, uma verdadeira lição àqueles desesperançados em idade muito mais tenra que a sua.
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Continuei lendo a reportagem bastante atento, esperando um momento que aposto boa parte dos meus 150 mil conterrâneos esperaram. Mas não havia chegado a hora, ainda que a repórter tenha se esmerado em deixar claro sua opção pelo retorno imediato à prancheta, agora em jornada menor, das 14h às 18h.
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E aí, já roendo as unhas, entrei com a competente jornalista na descrição dos projetos que realmente estão ocupando essa cabeça brilhante. Primeiro a reportagem falou da conclusão do projeto da "Biblioteca Árabe", que será construída na distante Argélia -para ser sincero, não consigo localizar de memória onde fica a Argélia, só mesmo olhando num mapa. Logo em seguida, a reportagem disse que depois o senhor começa a pensar no "Centro de Convenções", parte do Caminho Niemeyer, um dos seus grandes orgulhos.
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Em meio a merecidos elogios, a repórter frisou o "estupendo Museu de Arte Contemporânea", do qual o senhor destaca "a Grande Cúpula, onde será instalada a sede da Fundação Oscar Niemeyer". Realmente impressionante, Oscar. Só faltou ela dizer que o senhor é uma lenda viva, mas talvez ficasse meio piegas.
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Encerrando a reportagem, o senhor afirmou filosoficamente que é importante não perder o entusiasmo pelo trabalho, pela conversa com os amigos ou pela leitura. "A vida é cheia de desafios e surpresas", sua fala derradeira no texto.
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Acabou? Sério? É, acabou. Por isso, caro Oscar, estou desapontado. Perdi o entusiasmo. O senhor não falou de Poços de Caldas! Nem uma linha, uma lembrança sequer. Não colocou o "nosso" atualíssimo projeto no rol de obras de destaque. Justamente nós, que tiramos de nossos bolsos uma fortuna, mais de R$ 1 milhão, sequer fomos incluídos na lista. Será que a futura sede da nossa gloriosa casa legislativa, a Câmara Municipal de Poços de Caldas, é apenas mais um projeto? Será que compramos um desenho que não mereceu o carinho especial da pena de nanquim em suas mágicas mãos? Será que o senhor faz ideia de que essa dinheirama pode fazer falta nas contas da nossa cidade, tão cheia de problemas em áreas sensíveis como saúde ou habitação, em pleno ano de crise mundial?
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Corri para ver o seu site, Oscar, pensando que talvez lá encontrasse alguma referência, mas a lista que li mostra seus trabalhos somente até 2007, dando conta que "alguns desses projetos são resultado do traço original do arquiteto, desenvolvidos posteriormente por seus colaboradores". Fiquei deveras preocupado ao ler que seu último projeto efetivamente construído foi em 2003, na Inglaterra. Essa informação pode até estar desatualizada, mas, de toda forma, é o que está no link http://www.niemeyer.org.br/projetos.pdf .
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Pois é, caro Oscar. Confesso que desde sempre fui contra essa ideia aqui em Poços de Caldas. Não por questões de gosto ou técnicas, até porque não tenho conhecimento nem capacidade suficientes para avaliar seu trabalho, e acho que aqui pouquíssimas pessoas têm -como o senhor mesmo disse, podemos gostar ou não, mas não podemos dizer que já vimos igual. Meu ponto de vista é meramente econômico. Confesso também que apesar de não seguir as mesmas linhas políticas ou de fé do senhor, esperava um pouco mais de carinho para com nossa querida cidade.
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Por fim, Oscar, humildemente pergunto: será que o senhor, do alto de toda essa lucidez, inteligência, capacidade e memória centenárias, pelo menos sabe do que estou falando ou o assunto está sendo desenvolvido por seus colaboradores? Talvez eu não mereça uma resposta, afinal sou apenas um jornalista menor de uma cidade do interior de Minas Gerais. Mas certamente o povo sofrido que comprou uma obra sua merece mais atenção.
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Oscar, meu mais profundo respeito.
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Rubens Caruso Jr.
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Confira a íntegra da reportagem em:
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