Minha mulher disse que eu ronco. Discordei veementemente dela, garantindo que eu nunca me vi (e ouvi) roncando. Bom, talvez pelo fato de que as pessoas só roncam dormindo. Ela acabou me convencendo a ir a um otorrinolaringologista -puxa, consegui escrever essa palavra sem errar!.
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Lá fui eu à consulta. Começa com aquele feijão com arroz: "o sr. bebe? Fuma? Alimentação? Dorme bem? Respondo "não, não, boa, sim". Passo para a análise detalhada. Olho a bancada do médico e não consigo me calar: "a medicina, tal como a odontologia, é pródiga em instrumentos de tortura. Todas as formas e materiais", digo ao médico, que dá uma risadinha meio sem alegria. Percebo o meu erro e abro a boca, seguindo as ordens do doutor. Entram em cena uma série de varetas, palitos de picolé, sondas, tubos e canudos.
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Com uma gaze ele segura minha língua para fora da boca. "Diga A", e eu "ááááá". "Diga É", e eu "ééééé". "Diga I", e eu quieto. "Diga I". E então eu falo todo enrolado, com a língua de fora, presa entre o indicador e o polegar do médico: "não dááááá".
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É a vez do nariz. Minha descendência greco-italiana, muito mais italiana, é uma vantagem nesse caso: um "órgão respirador" avantajado facilita o acesso de dedos e ferramentas. Narina para cá, narina para lá, duas, três vezes, e o veredito: " 'seu' Rubens, nada de errado. Mas precisamos analisar melhor por causa do risco da apneia".
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Ato contínuo, o doutor emite uma guia para que eu faça um exame chamado (atenção para a extensão do nome, normal para um otorrinolaringologista) polissonografia. Volto para casa e pesquiso no Google, que me responde assim: "A polissonografia é o método mais objetivo para a avaliação do sono e de suas variáveis fisiológicas. Através do registro de três parâmetros mínimos que são o eletrencefalograma, o eletro-oculograma e do eletromiograma sub-mentoniano pode-se quantificar e qualificar o sono do indivíduo". Já vi tudo...
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Ontem fui a uma clínica fazer o tal exame. Chego às 21 horas, horário que habitualmente não é a minha hora de sono. Rápida entrevista e sou encaminhado a um "quarto". Na hora penso: como é que podem avaliar o sono de alguém que vai dormir num quarto com divisórias, numa cama que não é a habitual, na qual certamente meus 1,90 m de altura empurrarão esses pés 44 para fora? Nem mesmo um livro é permitido. Paciência, Rubens, tudo em nome da ciência.
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A moça, especialista no assunto, começa o exame. Eu, já de pijama, diante de uma pessoa estranha. É tudo que preciso para "aquela" noite de sono. Vai colando uma série de eletrodos em mim. Só de pensar em qualquer coisa que comece com "eletro" colada ao meu corpo já faz meu sono dirigir-se ao outro lado do mundo. Continua a coisa. Dezessete eletrodos depois, ela diz que já posso dormir. Fácil.
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Fecho os olhos, nove e meia da noite, e começa o pesadelo. Acordado, claro. Até que pego no sono rápido, mas às onze e meia alguma coisa ao lado da cama cai e acordo com o coração na boca. Fico pensando no gráfico que está sendo gerado lá fora, a partir dos tais eletrodos -um pico! Pego no sono de novo, mas aí cada movimento é um tormento, com perdão dessa rima pobre. Vira a cabeça? Tem um eletrodo em cada orelha. Encosta um lado do rosto no travesseiro? Tem eletrodos pertos dos olhos, do nariz, na testa, no peito. Ninguém merece.
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Questiono mais uma vez a validade desse exame. Mas acabo convencido que deve ser assim mesmo, e com todo mundo que passa por ele. E, quando tenho certeza que consegui achar um jeito de dormir com toda aquela fiação, a moça entra no quarto e diz: "seu Rubens, já são cinco e meia, vamos encerrar o exame". E eu querendo rir daquele "já" que ela falou.
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Mais alguns minutos removendo os aparatos, troco de roupa e estou pronto para ir embora. Olho no espelho e a imagem de um rosto amarrotado, com rugas forçadas pelos fios dos eletrodos, assusta. Volto para casa, tomo um bom banho, café da manhã e rua. Vou trabalhar até que me sinta em condições de voltar a dormir, o que só acontecerá à noite. "Bom", você pergunta, "e o resultado da tal polissonografia?". Pois é, frustrante: dentro de dez dias! Mas prometo que conto o que deu.
.O melhor que posso fazer agora é rir de mim mesmo: estou parecendo um "Panda-Zumbi", vagando sonolento e com enormes olheiras...
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Puxa!!! pensei que nunca mais iria ler um post seu "light"...!!! apesar do seu sofrimento, querido panda sonolento, foi ótimo poder voltar a me divertir com seus textos!!! beijos
ResponderExcluirsó resta uma coisa sensata a se fazer agora...reclamar que sua esposa ronca...
ResponderExcluirE eu sou doido?
ResponderExcluirHum!!! Duas correções a serem feitas:
ResponderExcluir1. a queixa não era o ronco, afinal isso é muito leve, de vez em quando e nunca me incomoda. A queixa é a apineia. Esta sim me preocupa e muito.
2. vc não estava lá como cobaia de experiências científicas. Então , a frase correta é "Tudo por sua saúde e bem estar" e não tudo pela ciência.
Sr. Anônimo, quem ama cuida!
**apneia, gente
ResponderExcluirTa ai, a culpa é dela.
ResponderExcluirFico maula quando minha mulher me da cutucasso à noite, enquanto durmo.
Acordo e falo alto: Eu não ‘tou’ fazendo nada!
Volto a dormir de barriga ‘pra’ cima; é remédio por aqui.
Se Angela não reclamasse, você, Rubens, nunca roncaria, né.
- Aqui ronca a gaita nos fandangos, não conheço e nunca vi falar em nenhuma mulher chamada, “Apineia”. Mulheres, Putz. - Gostaires
Obrigado ao leitor. Já corrigi a única "apneia" do meu texto. Tomara que fique só na versão escrita!
ResponderExcluirDesculpa Angela não sabia de que você estava falando. Apneia é, por aqui não acontece; a gente soluça, espirra, chora... Guria fico empacado com esse “Anônimo; vamos lhe dar um surungo. Gostaires o mergulhão
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